quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Revolta.

A minha decepção é perceber que na corrida desenfreada pela diferença, apenas instauramos o diferente para vigorar o mesmo, o diferente como dispositivo para manter o mesmo, você consegue perceber a dimensão em que colocamos nosso próprio ser? Diga-me o que acontece conosco? Com a imanência da vida? O hábito do mesmo corre em novas veias como um vírus silencioso, porém letal. É a letargia do mesmo, um abandono a corrente do cotidiano, abraço triunfante da hipocrisia. Fazer ou produzir a diferença não é fácil, mas insistir em malabarismos e ilusionismos, para manter nossa pretensa segurança, é demais. Mas fazemos isso, fingimos ser felizes, e tudo corre bem quando nossos segredinhos estão escondidos, quando a carne é esquecida em prol de um espírito-alma fodido. Iluminado pela imbecilidade e movido crença em valores atrasados e taxativos.
Por que não acontece uma catástrofe a nível mundial? Parece que só na iminência da morte, nós, os idiotas patéticos estudantes e pretensos pesquisadores de filosofia, vamos levantar nossa bunda macia dos gabinetes e das salas de aulas, para finalmente explodir os fantasmas e sentir nossa carne. Criar carne, sentir, não abstrações delimitativas, mas sensações. Enquanto a realidade ou a diferença não se fazer presente em nossa carne, não existirá empirismo e nem mesmo produção de diferença. Apenas mais do mesmo. Somos covardes, pois não admitimos que nossos pensamentos, nossas correntes filosóficas possam misturar-se com a vida, ranço platônico, covardes demais pra enfrentar nossas mentirinhas mal contadas academicamente. Escrito num papel a diferença é linda, mas a imanência desta diferença? Fica subentendida, apenas no próximo capitulo ou outro artigo. Nunca na vida, jamais na prática e enterramos a diferença. Não crucificamos o “cristo dos filósofos”, estamos fazendo algo bem pior, transformando, através de interpretações – que segundo os interpretes são sempre as mais verdadeiras –, em pensamento dócil ou criando dispositivos que permitam instaurar a transcendência. O diferente a serviço do mesmo, esse é o pior castigo imposto a filosofia da imanência.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Pequeno bilhete líquido.

Nosso meio é líquido e nossos encontros úmidos. Entrecruzamentos de água-doce com água-salgada, pororoca; mistura de corpos, meios, fluxos, correntezas mais marés, correntes fluviais mais águas oceânicas; sentido. Devir duplo no outro: meio doce e/ou meio salgado? É água, liquidez dum habitat entre-meio, o espaço-aquário de nossos instantes.
O corpo sente e demonstra molhadamente; são mãos suadas e escorregadias, é o café que caí. Boca seca, língua morna e os olhos transbordantes, ora marejados e muitas vezes, apenas olhos de ressaca. Fluídos íntimos em plena vazão. Encanamento de beijos alcoólicos e corpos embebidos, harmônica de sizígia. É torrente de amor que surge com vidro d’água compartilhado. Ensopado, encharcado, molhado, empapado, embriagado, inundado, alagado nosso Dô. Caminho líquido fluindo para o dojo de vertentes, Tales o grande peixe. E você a gravidade que revolta meus fluídos. Entre nós, existe apenas a água que nos mistura.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O mistério do Samba. Mundo Livre S/A

O samba não é carioca

O samba não é baiano

O samba não é do terreiro

O samba não é africano

O samba não é da colina

O samba não é do salão

O samba não é da avenida

O samba não é carnaval

O samba não é da tv

O samba não é do quintal

Como reza toda tradição

É tudo uma grande invenção


O samba não é emergente

O samba não é da escola

O samba não é fantasia

O samba não é racional

O samba não é da cerveja

O samba não é da mulata

O samba não é playboy

O samba não é liberal

Como reza toda tradição

É tudo uma grande invenção

Não tem mistério

Não é do bicheiro

Não é do malandro

Não é canarinho

Não e verde e rosa

Não é aquarela

Não é bossa nova

Não é silicone

Não é malhação

O samba não é do gugu

O samba não é faustão

Não é do gugu

Não é do faustão

Sem mistério.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mini-Festo.

Deleuze, filósofo francês contemporâneo, aborda a problemática da escrita de maneira revigorante, pois não encerra a escrita num compêndio de literatura e nem mesmo pretende elaborar uma crítica universal a respeito do ato de escrivinhar. Escrever, segundo o autor, é um processo que só é permitido por meio do devir. No entanto, o devir não é criado do nada, mas através de necessidades concretas. Escrever é tornar-se algo por extrema necessidade, o que não significa tornar-se escritor, mas outra coisa.
Escrever não é iludir-se e nem mesmo fantasiar, escrever é experimentar. Existe um elo fortíssimo entre a produção textual e a experimentação. Experimentar é celebrar nossos sentidos e não os sonhos platônicos. Sartre, por exemplo, quando formulou sua teoria sobre a escrita, particularmente a literatura, defendeu que escrever é engajar-se. Mas para que este processo seja possível dentro de um texto literário, foi porque existiu a necessidade de definir a literatura deste modo (final da segunda guerra mundial, o comunismo e etc). Entretanto para que o engajamento realmente surgisse nos textos foi necessário um devir-revolucionário, o engajamento não estava pronto e formulado, precisava ser criado à medida que o texto era escrito, e para que a escrita fosse possível era necessária a experimentação de uma Paris invadida pelos alemães. Assim surge “A peste” de Albert Camus e “O muro”, entre outros. Portanto a experimentação se faz necessária para a produção literária.
A pretensão inicial deste blog consiste numa tentativa de “experimentar” e não fantasiar, problematizar e não formar opinião, a necessidade de mudança e não mais a de definições pré-fabricadas. A tentativa principal é captar algum devir para modificar algo, trata-se de pensar “com” e não “sobre”, pensar com a filosofia, ou seja, criticamente e conceitualmente.
"O mais profundo é a pele." Valéry.