domingo, 11 de abril de 2010

“Curitiba sem pinheiro ou céu azul pelo que vosmecê é - província, cárcere, lar - esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor eu viajo, viajo, viajo.” Trevisan, Dalton. Em busca de Curitiba perdida.

Por que esse vazio? Um nada subterrâneo. Viajando por Curitiba, madrugadas sem lei, Dalton é um narrador imbecil encapuzado com frases moralistas. Não Maria e sem João. Outra coisa, não existe mais rosto, a pedra e não mais o sexo. O moralismo perdeu seu grande inimigo, nunca mais grupo, nem dois, apenas mais um perdido. Curitiba: antro dos subterrâneos, das junções momentâneas produzidas com fumaça. Sem bala Zequinha e nunca mais a colegial, apenas os perdidos sem rosto, sombras sem rastros, via sacra das esquinas marcadas.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Revolta.

A minha decepção é perceber que na corrida desenfreada pela diferença, apenas instauramos o diferente para vigorar o mesmo, o diferente como dispositivo para manter o mesmo, você consegue perceber a dimensão em que colocamos nosso próprio ser? Diga-me o que acontece conosco? Com a imanência da vida? O hábito do mesmo corre em novas veias como um vírus silencioso, porém letal. É a letargia do mesmo, um abandono a corrente do cotidiano, abraço triunfante da hipocrisia. Fazer ou produzir a diferença não é fácil, mas insistir em malabarismos e ilusionismos, para manter nossa pretensa segurança, é demais. Mas fazemos isso, fingimos ser felizes, e tudo corre bem quando nossos segredinhos estão escondidos, quando a carne é esquecida em prol de um espírito-alma fodido. Iluminado pela imbecilidade e movido crença em valores atrasados e taxativos.
Por que não acontece uma catástrofe a nível mundial? Parece que só na iminência da morte, nós, os idiotas patéticos estudantes e pretensos pesquisadores de filosofia, vamos levantar nossa bunda macia dos gabinetes e das salas de aulas, para finalmente explodir os fantasmas e sentir nossa carne. Criar carne, sentir, não abstrações delimitativas, mas sensações. Enquanto a realidade ou a diferença não se fazer presente em nossa carne, não existirá empirismo e nem mesmo produção de diferença. Apenas mais do mesmo. Somos covardes, pois não admitimos que nossos pensamentos, nossas correntes filosóficas possam misturar-se com a vida, ranço platônico, covardes demais pra enfrentar nossas mentirinhas mal contadas academicamente. Escrito num papel a diferença é linda, mas a imanência desta diferença? Fica subentendida, apenas no próximo capitulo ou outro artigo. Nunca na vida, jamais na prática e enterramos a diferença. Não crucificamos o “cristo dos filósofos”, estamos fazendo algo bem pior, transformando, através de interpretações – que segundo os interpretes são sempre as mais verdadeiras –, em pensamento dócil ou criando dispositivos que permitam instaurar a transcendência. O diferente a serviço do mesmo, esse é o pior castigo imposto a filosofia da imanência.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Pequeno bilhete líquido.

Nosso meio é líquido e nossos encontros úmidos. Entrecruzamentos de água-doce com água-salgada, pororoca; mistura de corpos, meios, fluxos, correntezas mais marés, correntes fluviais mais águas oceânicas; sentido. Devir duplo no outro: meio doce e/ou meio salgado? É água, liquidez dum habitat entre-meio, o espaço-aquário de nossos instantes.
O corpo sente e demonstra molhadamente; são mãos suadas e escorregadias, é o café que caí. Boca seca, língua morna e os olhos transbordantes, ora marejados e muitas vezes, apenas olhos de ressaca. Fluídos íntimos em plena vazão. Encanamento de beijos alcoólicos e corpos embebidos, harmônica de sizígia. É torrente de amor que surge com vidro d’água compartilhado. Ensopado, encharcado, molhado, empapado, embriagado, inundado, alagado nosso Dô. Caminho líquido fluindo para o dojo de vertentes, Tales o grande peixe. E você a gravidade que revolta meus fluídos. Entre nós, existe apenas a água que nos mistura.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O mistério do Samba. Mundo Livre S/A

O samba não é carioca

O samba não é baiano

O samba não é do terreiro

O samba não é africano

O samba não é da colina

O samba não é do salão

O samba não é da avenida

O samba não é carnaval

O samba não é da tv

O samba não é do quintal

Como reza toda tradição

É tudo uma grande invenção


O samba não é emergente

O samba não é da escola

O samba não é fantasia

O samba não é racional

O samba não é da cerveja

O samba não é da mulata

O samba não é playboy

O samba não é liberal

Como reza toda tradição

É tudo uma grande invenção

Não tem mistério

Não é do bicheiro

Não é do malandro

Não é canarinho

Não e verde e rosa

Não é aquarela

Não é bossa nova

Não é silicone

Não é malhação

O samba não é do gugu

O samba não é faustão

Não é do gugu

Não é do faustão

Sem mistério.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mini-Festo.

Deleuze, filósofo francês contemporâneo, aborda a problemática da escrita de maneira revigorante, pois não encerra a escrita num compêndio de literatura e nem mesmo pretende elaborar uma crítica universal a respeito do ato de escrivinhar. Escrever, segundo o autor, é um processo que só é permitido por meio do devir. No entanto, o devir não é criado do nada, mas através de necessidades concretas. Escrever é tornar-se algo por extrema necessidade, o que não significa tornar-se escritor, mas outra coisa.
Escrever não é iludir-se e nem mesmo fantasiar, escrever é experimentar. Existe um elo fortíssimo entre a produção textual e a experimentação. Experimentar é celebrar nossos sentidos e não os sonhos platônicos. Sartre, por exemplo, quando formulou sua teoria sobre a escrita, particularmente a literatura, defendeu que escrever é engajar-se. Mas para que este processo seja possível dentro de um texto literário, foi porque existiu a necessidade de definir a literatura deste modo (final da segunda guerra mundial, o comunismo e etc). Entretanto para que o engajamento realmente surgisse nos textos foi necessário um devir-revolucionário, o engajamento não estava pronto e formulado, precisava ser criado à medida que o texto era escrito, e para que a escrita fosse possível era necessária a experimentação de uma Paris invadida pelos alemães. Assim surge “A peste” de Albert Camus e “O muro”, entre outros. Portanto a experimentação se faz necessária para a produção literária.
A pretensão inicial deste blog consiste numa tentativa de “experimentar” e não fantasiar, problematizar e não formar opinião, a necessidade de mudança e não mais a de definições pré-fabricadas. A tentativa principal é captar algum devir para modificar algo, trata-se de pensar “com” e não “sobre”, pensar com a filosofia, ou seja, criticamente e conceitualmente.
"O mais profundo é a pele." Valéry.